Todo guerreiro já ficou com medo de entrar em combate.
Todo guerreiro já perdeu a fé no futuro.
Todo guerreiro já trilhou um caminho que não era dele.
Todo guerreiro já sofreu por bobagens.
Todo guerreiro já achou que não era guerreiro.
Todo guerreiro já falhou em suas obrigações.
Todo guerreiro já disse "SIM" quando queria dizer "NÃO".
Todo guerreiro já feriu alguém que amava.
Por isso é um guerreiro; porque passou por estes desafios, e não perdeu a esperança de ser melhor do que era.

Paulo Coelho

domingo, 8 de janeiro de 2012

ZORRO/DOM DIEGO DE LA VEIGA

Zorro é a fantástica lenda revisitada por Isabel Allende onde recria a história do jovem Diego de La Veja que se tornou no famoso herói que intitula este renovado romance.
Nascido Diego de La Vega em 1795, de um valente fidalgo – Alejandro - e da bela Regina, filha de um desertor espanhol e de uma xamã índia, o nosso herói cresce na Califórnia antes de viajar para Espanha, dividindo as suas aventuras pelo sul da Califórnia e pela Espanha napoleônica.
Allende reconstrói num floreado conciso a poeirenta Califórnia sob a égide do domínio espanhol, onde Diego cresce perante a injustiça racial contra os nativos explorados. Apesar de ser um privilegiado, o nosso herói mantém fortes laços com os oprimidos, contribuindo para o seu sentido apurado de justiça e identificação com as vítimas. Assume nomeadamente a amizade para a vida com o seu irmão-de-leite, Bernardo, apesar das diferenças sociais.
No entanto, é em Barcelona que o caráter revolucionário de Diego irá surgir, de tal modo que intriga Manuel Escalante, membro da sociedade secreta La Justiça, que se dedica à luta contra todas as formas de opressão. Recruta-o e aqui começa a construção do seu vistoso e secreto alteia.
O disfarce físico de zorro e a mentalidade social reformista vigente motivam-no a tornar-se adulto mais cedo e a lutar em defesa dos oprimidos. Com o leal Bernardo do seu lado, aperfeiçoa a sua fantástica destreza, evoluindo para um nobre herói, que mais tarde regressa à Califórnia para reclamar os bens da sua família, num duelo empolgante.
Assumindo o romance de outro escritor, redefinindo-o, esta foi a oportunidade de Isabel Allende para uma reconstrução histórica exaustiva de um mito que permanece vivo no imaginário dos leitores.
A história desventura e cavalheirismo, nas hábeis mãos de Allende torna-se num romance picaresco com um floreado pós-moderno.
Com uma intensidade dramática desarmante, Allende relata-nos pormenorizadamente a infância do Robin Hood do séc. XIX da Califórnia colonial, que os inúmeros filmes e séries de TV nunca abordaram.
A escritora mergulhou na sua ampla fonte de talento, trazendo à tona um herói mais humano, insuflando-lhe uma nova vida e dotando-o de coração, de alma, de mente e de um espírito indomável, com falhas humanas. Zorro deixa de ser um semideus às mãos de Allende.
A sua intenção parece óbvia: revelar o homem por detrás da máscara, completando o alfabeto, este reduzido pelo público à letra Z.
Este livro é um daqueles perfeitos e raros momentos de combinação entre o tema e o autor, acabando por ser um caso de amor. Os elementos da história são demasiado irresistíveis para  ela: o herói romântico, o campeão dos oprimidos, o cenário da exótica Espanha na Velha Califórnia, o disfarce, a identidade, e Allende enamorou-se de tal maneira pela personagem, que tornou-a sua, apropriando-se dela.
Aliás, Zorro é bem sucedido nas suas empreitadas, porque é grande o desejo da escritora de mostrar que todo o homem pode lutar pela justiça, se tiver determinação, porém falha em desenvolver-se para além das dimensões da sua lenda.
Ao criar a origem da lendária personagem através dos olhos críticos de uma das poucas mulheres que ele não seduz, a escritora desperdiçou a melhor oportunidade para ousar ir para além da lenda.
Allende é inventiva e inteligente ao criar um narrador misterioso, cuja identidade é revelada apenas no fim do livro, dotando-o de uma voz narrativa hipnotizante, que nunca perde o timbre e nunca esmorece em tensão ou entretenimento. Porém, este narrador não é consistente com o tom e observações que faz no livro, relativamente ao que afirma no início deste: que pretende honrar a memória de Diego.
A escritora adota as formalidades de tom do século XIX e, em variados aspectos, esforça-se por relembrar o leitor que esta é uma história contada a partir de uma vantagem particularmente preconceituosa, a da narradora. O propósito deste ventriloquismo não é muito claro. Apesar de contar a vida de Zorro com a autenticidade de uma testemunha, também tem o efeito de, na tradução, tornar a história um pouco arcaica.
Aliás, o charme do livro reside no seu ponto de vista totalmente feminino, desde a própria narrativa às personagens que o povoam. A iteração de Allende coloca mais ênfase nas poderosas mulheres da vida de Zorro e no à vontade do herói num mundo multicultural.
A escritora saboreou a complicada história de época, combinando pormenores históricos que não são gratuitos na história do herói, combinando a história espanhola com a história da Califórnia, povoando-as de contos míticos, viagens marítimas, aventuras de piratas e folclore nativo-americano.
Os seus parágrafos descritivos são como mercados cheios de gente, cada frase com a sua bagagem de detalhes, que se acotovelam por espaço, juntando-se numa autêntica amálgama de ruído e cor, explodindo numa caracterização vívida e numa narrativa com ritmo.
São estas descrições que tornam vivo o colorido local, que torna este livro delicioso.
Porém, como tem tanto para contar, restringe-se à exposição e ao sumário, fazendo pausas esporádicas para dramatizar cenas, empobrecendo o processo narrativo. Inclusive, empacota um capítulo com duelos, donzelas formosas e piratas com situações de suspense, mascarando ficção séria de fanfarronice. A história arrisca mas resiste, desencadeando o melodrama em cada reviravolta.
Esta história de aventura e romance clássico, com um final pós-moderno, está repleta de duelos de espada, viagens pelo mar, ataques de piratas, tradições nativas americanas e ritos, episódios de esgrima, injustiça social, sociedades secretas, vilões maléficos, duelos ao amanhecer, donzelas em apuros, amor não correspondido, acampamentos ciganos, quartos de desenho, drama, humor galhofeiro e muito mais.
Aliás, cada palavra escrita estremece com a diversão que a escritora colocou na escrita deste livro, que é acima de tudo, uma variação feminino-juvenil deste grande clássico do início do século.
Alexandra Gomes




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